terça-feira, 26 de maio de 2015

Tecnologia da Informação a Serviço da Cidadania – a experiência do Gabinete Digital/RS

Por Denise Regina Struecker*

O Novo Serviço Público é uma alternativa à administração tradicional, inspirado na teoria política democrática, que busca restabelecer a conexão entre cidadãos e governo para que atuem de forma articulada (Denhardt, 2012, p. 254). A participação social, além do papel de educação dos indivíduos para a cidadania, vem preencher outras lacunas na gestão pública, auxiliando com soluções para problemas complexos que os agentes públicos não têm conseguido resolver. Apesar de ainda incipientes, pesquisas recentes mostram que as organizações que se abrem para o compartilhamento de decisões percebem um incremento considerável em seu desempenho (Neshkova e Guo, 2012).
Contudo, esse novo caminho precisa enfrentar as resistências de um modelo eminentemente burocrático, ainda arraigado na Administração Pública. A principal responsabilidade pela mudança, possibilitando a união da teoria com a prática, recai nos administradores e servidores públicos, desde que imbuídos de valores democráticos e capacidade de liderança. A abertura ao diálogo é uma necessidade, que se torna mais desafiadora à medida que saímos da esfera municipal para a interação com os governos estaduais e federal. Para atingir tal amplitude de atores e possibilitar a integração, parece que o rumo natural é a utilização da tecnologia da informação a serviço da cidadania.
Nessa linha, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul lançou, em 2011, o Gabinete Digital, plataforma desenvolvida em software livre que congrega diversas ferramentas de diálogo e participação social. Uma das funcionalidades é a consulta pública online, inspirada na ferramenta “All Our Ideas” desenvolvida pela Universidade de Princeton, na qual o governo propõe determinada questão, cujas respostas são incorporadas à agenda governamental de acordo com a valoração que receberem, numa metodologia de avaliação por escala.  Considerando que participação virtual como única via pode ser uma limitação, eis que nem todos têm acesso à tecnologia, existe um sistema de apoio, com vans equipadas com tablets que circulam pelo Estado, assim como alguns pontos de acesso a computadores e telecentros conectados à plataforma, possibilitando a expansão da consulta.


O Gabinete Digital ainda foi utilizado como espaço de votação de prioridades do orçamento participativo de 2014; plataforma online de audiências públicas, com transmissão ao vivo e interatividade entre os atores; palco de debates informais sobre assuntos de interesse público, além de servir a outras iniciativas de accountability e transparência pública, como as perguntas encaminhadas pelos cidadãos que, de acordo com a votação obtida, são respondidas pelo governador ou secretários de estado, muitas vezes acompanhadas de alguma forma de prestação de contas sobre o tema.  Por fim, através do site “De Olho nas Obras”, é possível acompanhar das obras públicas e exercer a fiscalização cidadã, encaminhando fotos, vídeos e comentários sobre seu andamento e/ou eventual irregularidade.
No balanço do período 2011/2014, disponibilizado na página oficial do Gabinete Digital, é possível verificar que a iniciativa teve grande participação e trouxe resultados concretos. Apenas na edição de “O Governador Pergunta” cujo tema foi a melhoria no atendimento à saúde, por exemplo, foram mais de 1.300 propostas recebidas, 120.000 votos computados e 50 propostas priorizadas. Entre as demais ações que derivaram dessa interação destacam-se a desvinculação dos Bombeiros da Brigada Militar, a modelagem do pedágio das estradas estaduais e o passe livre estudantil. A plataforma foi destaque nacional e internacional e inspirou outras experiências, como o gabinete digital de Caruaru/PE e o do próprio governo federal.
Apesar do aparente sucesso, a utilização de tecnologias de comunicação e informação recebe algumas críticas, em especial quanto à necessidade de ampliação das ações deliberativas e à dificuldade de alcançar determinada parcela da população, que acaba alijada desse processo - no Rio Grande do Sul, por exemplo, apenas ¼ da população tem acesso a computadores (Brisola et al, 2012). Muito embora a acessibilidade venha sendo ampliada sensivelmente com a disseminação dos equipamentos móveis, inclusive nas classes populares, cabe aqui referir a importância de iniciativas complementares que incentivem e facilitem a inclusão dos demais cidadãos aos mecanismos de participação disponibilizados.  
Outra questão que ilustra os muitos desafios à efetiva incorporação da participação cidadã na gestão pública é a falta de conscientização da importância desse diálogo por parte dos gestores. As boas iniciativas são pontuais, muitas vezes condicionadas à vontade política de determinados governantes, que com a descontinuidade do mandato acabam enfraquecidas ou relegadas a segundo plano pelo sucessor. Foi o que aparentemente ocorreu, até o momento, com o Gabinete Digital, tendo em vista que desde o início do novo governo, em janeiro de 2015, não houve mais atualização do site ou novas ações. Segundo noticiado[1], o projeto será redirecionado para a área de comunicação, perdendo a importância estratégica do vínculo direto com o governador.
De qualquer forma, a experiência é uma inovação nas práticas de participação social para definição de ações e políticas públicas.  Em especial, por se tratar de um espaço permanentemente disponível, utilizado para atender vários setores, portanto com potencial para introduzir a cultura de participação no dia a dia dos cidadãos. Ainda, através do Gabinete Digital fica demonstrado que, mesmo na esfera estadual, mais complexa e com maior número de participantes, a articulação com os cidadãos é viável, com o auxilio da tecnologia da informação e, pelos resultados alcançados, pode legitimar as decisões governamentais.

Referências:
BRISOLA, A.C. et al. Internet e Participação: uma análise do Portal Gabinete Digital. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação. Ano 6 - Edição 1 – Setembro-Novembro 2012. Disponível em http://www.revistas.usp.br/anagrama/article/view/46359. Acesso em 10 de maio de 2015. 
DENHARDT, Robert B. Teorias da Administração Pública. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
NESHKOVA, Milena I.; GUO, Hai David. Public participation and organizational performance: Evidence from state agencies. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 22, n. 2, p. 267-288, 2012. Disponível em http://connection.ebscohost.com/c/articles/74075168/public-participation-organizational-performance-evidence-from-state-agencies. Acesso em 10 de maio de 2015.

* Texto produzido pela mestranda Denise Regina Struecker, do Programa de Pós-graduação em Administração da Udesc/Esag e do grupo de pesquisa Politeia, no contexto da disciplina de mestrado Coprodução do Bem Público.

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