Por Denise Regina Struecker*
O Novo Serviço Público é uma alternativa à administração tradicional, inspirado na teoria política democrática, que busca restabelecer a conexão entre cidadãos e governo para que atuem de forma articulada (Denhardt, 2012, p. 254). A participação social, além do papel de educação dos indivíduos para a cidadania, vem preencher outras lacunas na gestão pública, auxiliando com soluções para problemas complexos que os agentes públicos não têm conseguido resolver. Apesar de ainda incipientes, pesquisas recentes mostram que as organizações que se abrem para o compartilhamento de decisões percebem um incremento considerável em seu desempenho (Neshkova e Guo, 2012).
Contudo, esse novo caminho
precisa enfrentar as resistências de um modelo eminentemente burocrático, ainda
arraigado na Administração Pública. A principal responsabilidade pela mudança,
possibilitando a união da teoria com a prática, recai nos administradores e
servidores públicos, desde que imbuídos de valores democráticos e capacidade de
liderança. A abertura ao diálogo é uma necessidade, que se torna mais
desafiadora à medida que saímos da esfera municipal para a interação com os
governos estaduais e federal. Para atingir tal amplitude de atores e
possibilitar a integração, parece que o rumo natural é a utilização da
tecnologia da informação a serviço da cidadania.
Nessa linha, o Governo do
Estado do Rio Grande do Sul lançou, em 2011, o Gabinete
Digital, plataforma desenvolvida em software
livre que congrega diversas ferramentas de diálogo e participação social. Uma
das funcionalidades é a consulta pública online, inspirada na ferramenta “All Our Ideas” desenvolvida pela
Universidade de Princeton, na qual o governo propõe determinada questão, cujas
respostas são incorporadas à agenda governamental de acordo com a valoração que
receberem, numa metodologia de avaliação por escala. Considerando que participação virtual como
única via pode ser uma limitação, eis que nem todos têm acesso à tecnologia, existe
um sistema de apoio, com vans equipadas com tablets que circulam pelo Estado,
assim como alguns pontos de acesso a computadores e telecentros conectados à
plataforma, possibilitando a expansão da consulta.
O Gabinete Digital ainda foi utilizado
como espaço de votação de prioridades do orçamento participativo de 2014;
plataforma online de audiências públicas, com transmissão ao vivo e
interatividade entre os atores; palco de debates informais sobre assuntos de
interesse público, além de servir a outras iniciativas de accountability e transparência pública, como as perguntas
encaminhadas pelos cidadãos que, de acordo com a votação obtida, são
respondidas pelo governador ou secretários de estado, muitas vezes acompanhadas
de alguma forma de prestação de contas sobre o tema. Por fim, através do site “De Olho nas Obras”,
é possível acompanhar das obras públicas e exercer a fiscalização cidadã,
encaminhando fotos, vídeos e comentários sobre seu andamento e/ou eventual
irregularidade.
No balanço do período
2011/2014, disponibilizado na página oficial do Gabinete
Digital, é possível verificar que a iniciativa
teve grande participação e trouxe resultados concretos. Apenas na edição de “O
Governador Pergunta” cujo tema foi a melhoria no atendimento à saúde, por
exemplo, foram mais de 1.300 propostas recebidas, 120.000 votos computados e 50
propostas priorizadas. Entre as demais ações que derivaram dessa interação
destacam-se a desvinculação dos Bombeiros da Brigada Militar, a modelagem do
pedágio das estradas estaduais e o passe livre estudantil. A plataforma foi
destaque nacional e internacional e inspirou outras experiências, como o
gabinete digital de Caruaru/PE e o do próprio governo federal.
Apesar do aparente sucesso, a
utilização de tecnologias de comunicação e informação recebe algumas críticas,
em especial quanto à necessidade de ampliação das ações deliberativas e à
dificuldade de alcançar determinada parcela da população, que acaba alijada
desse processo - no Rio Grande do Sul, por exemplo, apenas ¼ da população tem
acesso a computadores (Brisola et al,
2012). Muito embora a acessibilidade venha sendo ampliada sensivelmente com a
disseminação dos equipamentos móveis, inclusive nas classes populares, cabe
aqui referir a importância de iniciativas complementares que incentivem e
facilitem a inclusão dos demais cidadãos aos mecanismos de participação disponibilizados.
Outra questão que ilustra os
muitos desafios à efetiva incorporação da participação cidadã na gestão pública
é a falta de conscientização da importância desse diálogo por parte dos
gestores. As boas iniciativas são pontuais, muitas vezes condicionadas à
vontade política de determinados governantes, que com a descontinuidade do
mandato acabam enfraquecidas ou relegadas a segundo plano pelo sucessor. Foi o
que aparentemente ocorreu, até o momento, com o Gabinete Digital, tendo em
vista que desde o início do novo governo, em janeiro de 2015, não houve mais
atualização do site ou novas ações. Segundo noticiado[1], o
projeto será redirecionado para a área de comunicação, perdendo a importância
estratégica do vínculo direto com o governador.
De qualquer forma, a
experiência é uma inovação nas práticas de participação social para definição
de ações e políticas públicas. Em
especial, por se tratar de um espaço permanentemente disponível, utilizado para
atender vários setores, portanto com potencial para introduzir a cultura de
participação no dia a dia dos cidadãos. Ainda, através do Gabinete Digital fica
demonstrado que, mesmo na esfera estadual, mais complexa e com maior número de participantes,
a articulação com os cidadãos é viável, com o auxilio da tecnologia da
informação e, pelos resultados alcançados, pode legitimar as decisões
governamentais.
Referências:
BRISOLA, A.C. et al.
Internet e Participação: uma análise do Portal Gabinete Digital. Revista Anagrama: Revista Científica
Interdisciplinar da Graduação. Ano 6 - Edição 1 – Setembro-Novembro 2012.
Disponível em http://www.revistas.usp.br/anagrama/article/view/46359. Acesso em 10 de maio
de 2015.
DENHARDT, Robert B.
Teorias da Administração Pública. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
NESHKOVA, Milena I.; GUO, Hai
David. Public participation and organizational performance: Evidence from state
agencies. Journal of Public
Administration Research and Theory, v. 22, n. 2, p. 267-288, 2012. Disponível em http://connection.ebscohost.com/c/articles/74075168/public-participation-organizational-performance-evidence-from-state-agencies. Acesso em 10 de maio de 2015.
* Texto produzido pela mestranda Denise Regina Struecker, do Programa de
Pós-graduação em Administração da Udesc/Esag e do grupo de pesquisa Politeia,
no contexto da disciplina de mestrado Coprodução do Bem Público.
[1]
Disponível em http://www.rs.gov.br/conteudo/209712/secretaria-geral-reune-equipe-e-define-acoes-para-fortalecer-projetos-de-governo.
Acesso em 10 de maio de 2015.
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