* Por Luiza
Stein da Silva
O surgimento e constante
aprimoramento das tecnologias de informação e comunicação ao redor do mundo tem
feito com que as conexões estejam cada vez mais intensas e as “distâncias” cada
vez menores. É o que Augusto de Franco aborda em seu TEDx em São Paulo (2009) e chama de
Teoria do Mundo Pequeno. As relações e redes estreitam as relações entre as
pessoas e entre elas e as instituições formais.
De acordo com a Global Partnership
for Social Accountability (GPSA),
as tecnologias de informação e comunicação têm se demonstrado como poderosos
mecanismos para engajamento dos cidadãos nos processos de decisão pública e no
monitoramento do desempenho dos serviços governamentais. Diversos exemplos
mundo a fora mostram como o uso dessas tecnologias têm auxiliado a melhorar a
accountability, o acesso aos serviços públicos e os processos democráticos.
Nesse sentido, fazemos aqui uma breve contextualização dessa temática, e em
seguida, mostramos alguns casos pautados no uso das tecnologias, e como estes
têm facilitado a efetivação do que entendemos por accountability social.
Até meados do século XX, o conceito de democracia estava baseado quase
que exclusivamente em sua forma representativa, sem grandes espaços de participação
popular direta junto ao Estado, e com um governo mais tradicional e burocrático.
Ao longo do tempo, um novo ideário surgiu, buscando-se um modelo de democracia que
estruturasse o Estado com ampla participação popular (Perez, 2004). A sociedade
ganha protagonismo e ao Estado cabe a tarefa de facilitar o exercício da
cidadania, prover mecanismos de participação adequados.
No Brasil, a ampliação dessa participação é intensa e recente. Pode-se
dizer-se que o país ainda passe por um processo de amadurecimento, tanto em
nível macro, que contempla governos e instituições, como em nível micro, nas
práticas cotidianas de comunidades, governos e cidadãos (Paiva et al, 2004). Com a abertura do Estado à
participação popular, a democracia requer o desenvolvimento de novos
instrumentos institucionais que contribuam para mudar o modo de atuação dos
poderes estatais e o padrão de relacionamento entre Estado e sociedade.
Apesar de a democracia brasileira evidenciar a existência de déficits
institucionais que afetam princípios básicos dos regimes democráticos (Moisés,2008
apud Pinheiro et. al., 2014), estamos
caminhando para o conceito de governança em rede, em que vários atores estão
articulados para coproduzir esse Estado. Trata-se aí da retomada e do
fortalecimento da cidadania como condicional para a legitimação da democracia.
Um dos pressupostos fundamentais da democracia é a accountability
(Campos, 1999). Para esta autora, a concretização da accountability não se limita a uma previsão formal, a um
conjunto de organizações ou a uma reforma administrativa. Depende também de uma
sociedade mobilizada por cidadãos conscientes de seus direitos e atuando como
vigilantes (Campos, 1990).
A promoção da
accountability, uma vez limitada aos mecanismos de controle das instituições
burocráticas do poder executivo governamental, não atende aos resultados
esperados. Logo, a consolidação da democracia se daria de fato através de uma
mudança do cidadão, o qual passa de uma postura passiva a uma condição ativa (Campos,
1990). Observa-se, pois, a ênfase ao protagonismo da sociedade no controle
sobre o exercício do poder, este que é um pressuposto fundamental de regimes
democráticos.
Accountability, de modo geral, pode
ser entendida como a responsabilidade e a obrigação daqueles que detém poder –
estejam eles em governos, empresas, ou organizações da sociedade civil - em
informar e justificar as suas ações, comportamentos e resultados. Estando assim
sujeitos às sanções correspondentes pelas violações da lei ou de seus deveres
como agentes públicos, ou, ainda quando mostrarem desempenho ruim em suas
funções (Hernandez e Cuadros, 2014).
Porém, há conceitos de
accountability que vão além dessa perspectiva.
A accountability social, abordada
por Fox (2014), volta-se à melhoria do desempenho institucional, ligando o
engajamento popular à responsividade do Estado e das corporações. Na prática, o
conceito abarca uma vasta gama de inovações institucionais que promovem a
participação e projetam a voz dos cidadãos. A accountability social pode ser
visualizada como um guarda-chuva que envolve: cidadãos monitorando o desempenho
dos setores público e privado; uso de informações e sistemas públicos;
participação popular em processos decisórios, como por exemplo o orçamento participativo;
além de mecanismos de pedido e resposta ao público.
Vemos então uma evolução no conceito de accountability, com a qual surgem
mecanismos de comunicação e controle mais avançados, tanto por iniciativa de
governos, quanto advindas da sociedade civil. Na perspectiva de que o governo
tem caminhado de um modelo altamente burocrático para uma nova organização
pautada em redes, há também um novo modelo de comunicação entre governo e
cidadão. Entram em cena novas ferramentas, como as mídias sociais e aplicativos
para a comunicação, os quais vem substituir ou complementar as ferramentas
usadas no modelo mais burocrático, facilitando mudanças e adaptações (Shirky, 2008,
apud Meijer e Torenviled, 2014)
O esquema a seguir apresenta uma visão geral das mudanças mencionadas, que estão em curso na atualidade.
Fonte: elaborada pela autora
A partir do esquema, vemos que,
seguindo uma ideia de evolução, há mudanças nesses mecanismos de informação e
comunicação que vem ocorrendo gradualmente, contribuindo para aprimorar a
participação popular e a responsabilidade governamental. Nesse sentido, esses
novos instrumentos e tecnologias para a comunicação são vistas, a partir de
diversos casos, como facilitadores para a efetivação de um ideário de
democracia participativa, partindo da ideia de governança e de accountability
social.
Entre os recentes instrumentos mais sofisticados de resposta ao cidadão e
promoção do controle social, estão aqueles que contribuem para abrir os dados
governamentais ao público, ligados ao princípio da transparência. A partir da chamada
Lei da Transparência, de 2009, tivemos por exemplo a criação do Portal Transparência.
Lançado inicialmente pelo governo federal, o portal foi disseminado para
as diversas esferas e órgãos governamentais. Esse portal pode ser analisado
como um mecanismo governamental que facilita o controle social, ao trazer mais
transparência aos gastos públicos. Na prática, porém, funciona mais como
cumprimento do dever legal de publicizar os dados. Podemos
encará-lo então como um mecanismo ainda muito ligado à ideia de democracia
representativa, sendo um instrumento de comunicação unilateral.
A fim de ampliar a participação cidadã
e os canais de comunicação, outras iniciativas surgiram, grande parte delas
advindas da sociedade civil, com o intuito de aproximar mais sociedade e Estado,
caminhando em direção a um modelo de democracia participativa de fato. Surgem
aí iniciativas com o objetivo de controlar mais incisivamente o governo,
cobrando e pressionando a fim de participar das decisões e fazer com que ações
sejam tomadas para a resolução dos problemas. Essas iniciativas fazem uso da
tecnologia, assim como dos dados abertos, para mover cidadãos em prol de um bem
comum, buscando voz junto ao poder público. Dentre elas podemos citar aqui a
Rede Meu Rio, o portal Avaaz, o portal Vote na Web, dentre outros.
Criada em 2011, a rede Meu Rio
funciona como um canal de mobilização social pautado nos princípios da
democracia participativa. Para a organização, sua missão é a de desenvolver
tecnologias e metodologias que auxiliam aos cerca de 170 mil membros do Meu Rio
a participarem ativamente dos processos de decisão da cidade do Rio de Janeiro,
através de mobilizações.
Um dos aplicativos desenvolvidos pela Rede, e de acordo com a própria
organização o mais utilizado, é o Panela
de Pressão, um
aplicativo que possibilita o contato direto com governantes, parlamentares,
políticos e demais tomadores de decisão na cidade. Qualquer pessoa pode criar
mobilizações, para que outras pessoas se envolvam e os pressionem, seja por
e-mail, telefone, facebook, etc. Os pressionados podem e devem responder, sendo
que suas respostas são publicadas no Panela de Pressão. A equipe do Meu Rio faz
o monitoramento e dá mais suporte àquelas iniciativas mais alinhadas aos
critérios pré-determinados pela organização, entre eles o potencial da
mobilização de atingir o sucesso; e o caráter de urgência da mobilização (NOSSAS
CIDADES, 2015)
A atuação do Meu Rio ocorre através de causas, que contam com o suporte
da equipe de ponta da organização. Da mesma forma, o portal Avaaz atua a partir
de causas, como uma comunidade internacional de mobilizações online que visa
levar a voz da sociedade civil para a política global. Por meio de petições, a
missão do Avaaz é “mobilizar pessoas de todos os países do mundo para construir
uma ponte entre o mundo em que vivemos e o mundo que a maioria das pessoas
querem”.
Outra
inciativa é o Vote na Web, um portal para engajamento cívico apartidário, que
apresenta de forma simplificada os projetos de lei que estão em tramitação no
Congresso Nacional brasileiro. A partir dos projetos, qualquer pessoa pode
votar contra ou a favor e dar sua opinião. Os responsáveis pela iniciativa levam
ao Congresso os resultados da participação dos cidadãos. O objetivo principal é
aumentar a politização da sociedade e oferecer uma maneira fácil de acompanhar,
votar e debater sobre o trabalho dos políticos, além de criar um ambiente
favorável ao diálogo entre os parlamentares e os cidadãos.
Além dessas iniciativas originárias da
sociedade civil, vemos também iniciativas governamentais buscando o uso das
tecnologias para se alinhar à população e melhorar a prestação dos seus
serviços com o auxílio da mesma. No Brasil, bastante interessante é o E-democracia, portal criado pelo Laboratório
Hacker da Câmara dos Deputados Federais, com o intuito de conectar deputados e
cidadãos, por meio da tecnologia, em uma atividade de construção colaborativa das
leis e processos tratados na Câmara.
Outro caso interessante, e que podemos
tomar como modelo, é da polícia holandesa, a qual vem usando o Twiter como maior canal de comunicação
com a população, trazendo resultados visíveis na melhoria dos serviços
prestados. O Twiter vem sendo usado
pela polícia para fortalecer o contato com os cidadãos, trazer maior sensação
de segurança, alertar os cidadãos para que estejam sempre prevenidos, melhorar
o conhecimento e imagem da polícia, além de obter do público informações para
investigações criminais.
Em uma análise realizada por Meijer
e Torenviled (2014), essa prática mostra que a partir do Twiter muitos policiais tem agora um
canal de comunicação externo direto com a população. Usando seus nomes
profissionais como forma de identificação, os policiais enviam centenas de
mensagens por dia, temas quais são recebidas por mais de um milhão de pessoas.
Os casos aqui evidenciados mostram que
estamos em um momento de transição de um modo de governo mais tradicional para a
construção de uma governança em rede, não só no Brasil, como em diversos países
no mundo. As tecnologias de informação e comunicação, nesse sentido, tem dado
suporte para que os ideários de um modelo de Estado que se baseia na coprodução
de serviços públicos sejam efetivados.
Podemos então observar que os governos têm passado por alguns estágios no
que se refere à accountability e o uso da tecnologia como facilitadora da sua
efetivação. Conforme o esquema a seguir, temos em um primeiro estágio um
mecanismo de comunicação para a divulgação de dados em cumprimento de uma
legislação, representado pelo Portal da Transparência, sendo esta uma forma de
comunicação unilateral. Já na evolução desses mecanismos no Brasil, temos o
surgimento de ferramentas como o E-democracia, um portal proposto pela Câmara
dos Deputados, com o intuito de dar voz ao cidadão na cocriação de leis a
partir do diálogo. Em um terceiro estágio, que ainda é bastante incipiente, teríamos
o uso desses mecanismos para uma comunicação direta e rápida entre cidadãos e
agentes públicos, como é o caso do uso do Twiter pela polícia da Holanda.
Ao olharmos para as iniciativas da sociedade civil, vemos também que
estas se diferenciam no uso da tecnologia. Os portais Vote na Web e Avaaz tem
foco nos processos legais em torno de projetos em discussão propostos pelos governos
e parlamentares, dando conhecimento e voz aos cidadãos sobre os mesmos. Já o
Meu Rio gera mobilização reativa e ativa, sendo que não só se pode pressionar e
questionar ações propostas pelo governo, como se utiliza da mobilização para
gerar discussões no meio político.
Essas tantas iniciativas têm em comum o uso da tecnologia para aproximar
cidadãos e Estado, qualificar a democracia e melhorar as políticas e os serviços
públicos. Como vimos, a accountability social está voltada a melhorar o
desempenho institucional, partindo da conexão entre sociedade e Estado. Nesse
sentido, podemos visualizar estas tecnologias de informação e comunicação como
meios para alcançar a accountability social.
*Este texto foi
elaborado por Luiza Stein da Silva, acadêmica do curso de Administração Pública
da Esag/Udesc, no contexto da disciplina Accountability Systems, ministrada
pela Professora Paula Chies Schommer em 2015-2.
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