quinta-feira, 5 de junho de 2014

Promoção da saúde e participação cidadã – por que, quando e como?

Por Luiza Moritz Age*

Trabalhos dos anos 1980 já definiam “coprodução do serviço público” como a participação cidadã na entrega de serviços originalmente de responsabilidade do Estado. Os exemplos mais comuns se referem a segurança, onde os moradores de uma região se unem para melhorar a eficiência desse serviço, ou no cuidado com populações menos favorecidas (idosos, pessoas com deficiência, crianças carentes etc.). Outros exemplos ocorrem na revitalização de bairros, comunidades, ruas –  a população da região se une com o Estado para “mudar a cara” do local e melhorar aspectos econômicos e/ou de qualidade vida.
Quando tratamos de saúde e de educação, poderíamos questionar: é possível afirmar que existem resultados desses “serviços” para um indivíduo ou população, sem a participação desta? Há como promover saúde sem a participação da comunidade na produção desse serviço e obter-se resultados efetivos?
A saúde é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças. É possível que o Estado consiga, sozinho, promover o bem-estar completo de cada indivíduo? Não deveriam as políticas públicas de saúde voltarem-se para a participação cidadã? E se é necessária a participação cidadã para que a política atinja seu objetivo, por que não melhorar essa participação a ponto de o cidadão decidir, definir, planejar e agir, junto com o Estado, nas políticas  e nos serviços de saúde? Ao redor do mundo já existem alguns exemplos de iniciativas que buscam promover maior envolvimento cidadão na promoção, prevenção e/ou proteção da saúde. Vejamos algumas delas:

“Drink a little less, see a better you!” (“Beba um pouco menos, veja-se melhor”, em tradução livre) – projeto dos condados de Cheshire and Merseyside na Inglaterra (com aproximadamente 1 milhão de habitantes cada), voltado ao cuidado de homens alcoólatras ou com alto consumo de álcool. A partir do momento em que foi identificado o problema, o tema foi colocado como prioridade para a região, quando lançaram a campanha “Drink a little less, see a better you!”, na qual profissionais de saúde foram aos pubs (lugar característico para consumo de bebidas alcoólicas no país) medir pressão, níveis de colesterol, peso e altura; acontecia um momento (das 22h às 23h), de segundas às quintas, quando os clientes eram encorajados a beber drinques e outras bebidas não-alcoólicas; foi colocado o slogan em espelhos, canecas, porta-corpos e cartazes dentro dos pubs. A campanha baseava-se em diminuir o consumo excessivo de álcool e incentivar os homens a cuidarem de sua saúde. Para que as ações pudessem ocorrer, envolver os responsáveis pelo pubs era essencial, porém foram necessárias algumas reuniões e esclarecimentos, momentos em que a equipe citou que o objetivo do programa não era afastar os clientes dos pubs, já que eles também tem importante papel social.

Esther approach to healthcare in Sweden (“Acesso de Esther ao cuidado com a Saúde na Suécia”, em tradução livre) – projeto da cidade de Jönköping no sul da Suécia (de aproximadamente 300 mil habitantes), voltado para o cuidado com os tratamentos de saúde de idosos (que eram aproximadamente 75% da população). O projeto teve início com o caso de uma idosa que necessitou repetir seus sintomas para 36 profissionais de saúde do município antes de receber atendimento. A partir do caso, iniciou-se um projeto de reestruturação do atendimento na assistência à saúde em todos os níveis (cuidado em casa, em pequenas clínicas de bairro e em hospitais). A participação cidadã ocorreu no design dos novos serviços, já que a nova estrutura foi remodelada de acordo com uma pesquisa realizada com os moradores locais, que puderam expressar suas preferências (tratar-se perto de casa sempre que possível, permanecer em hospitais o mínimo de tempo possível, dentre outras). Dentre os resultados, ocorreu diminuição na espera por consultas com neurologistas e gastroenterologistas, redução do número de dias de internação no hospital e até mesmo do número de admissões.

The Food Train (“O trem da comida”, em tradução livre) - projeto da cidade de Dumfries, na Escócia (com aproximadamente 45 mil habitantes). Iniciou em 1995, da necessidade de levar alimentos de alto valor nutricional para uma população idosa que não tinha condições de comprá-los por barreiras físicas (não poder carregar as sacolas, não poder dirigir). O trem é dirigido por cidadãos também idosos. Além de levar os alimentos para o alcance dos idosos, os voluntários ainda ajudam os que necessitam com a lista de compras, formas de pagamento, no momento de desembalar e em casos que é necessária a devolução do produto. Os supermercados contribuem para o projeto fazendo com que seus funcionários selecionem os produtos da lista de compras para entrega, junto com outros voluntários do projeto.

"Well London" (“Londres Bem”, em tradução livre) - projeto de Londres, na Inglaterra (aproximadamente 8 milhões de habitantes). Iniciou em 2007, ao serem evidenciados dados de menor expectativa de vida, baixo nível de bem-estar mental e outros indicadores de qualidade de vida em desvantagem para bairros mais pobres economicamente. O projeto selecionou 20 bairros londrinos, foi realizada consulta com cada comunidade para identificar suas principais necessidades e prioridades. A pesquisa identificou sérios problemas com manutenção de alimentação saudável, barreiras para prática de atividade física e problemas com bem-estar mental. O projeto dividiu-se em aumentar a participação comunitária e criar "espaços de saúde" para trabalhar com os principais problemas apontados. Ao todo, 14 projetos foram desenvolvidos nas comunidades.

Além desses, vários outros projetos de sucesso envolvendo saúde e participação cidadã são desenvolvidos no mundo todos os dias. É necessário que se aprenda com essas experiências, para que possam ser aplicadas políticas de incentivo à participação cidadã na melhora da saúde e qualidade de vida de uma população, de acordo com as necessidades de cada comunidade.

Para saber mais:
Organização Mundial da Saúde, disponível em: http://www.who.int/eportuguese/pt/
Governance International, disponível em: http://www.govint.org/



*Luiza Moritz Age é nutricionista, graduada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduada em Nutrição Clínica Funcional (UniCSul), é Fiscal de Vigilância em Saúde na Prefeitura de Florianópolis há 6 anos e cursa a disciplina Coprodução do Bem Público do curso de Mestrado em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), na qual desenvolveu este texto.

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