Por
Luiza Moritz Age*
Trabalhos dos anos 1980 já definiam “coprodução do
serviço público” como a participação cidadã na entrega de serviços
originalmente de responsabilidade do Estado. Os exemplos mais comuns se referem
a segurança, onde os moradores de uma região se unem para melhorar a eficiência
desse serviço, ou no cuidado com populações menos favorecidas (idosos, pessoas
com deficiência, crianças carentes etc.). Outros exemplos ocorrem na revitalização
de bairros, comunidades, ruas – a população da região se une com o Estado
para “mudar a cara” do local e melhorar aspectos econômicos e/ou de qualidade
vida.
Quando tratamos de saúde e de educação, poderíamos questionar: é
possível afirmar que existem resultados desses “serviços” para um
indivíduo ou população, sem a participação desta? Há como promover saúde sem a
participação da comunidade na produção desse serviço e obter-se resultados
efetivos?
A saúde é definida pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) como um estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças. É possível que o Estado consiga, sozinho, promover o
bem-estar completo de cada indivíduo? Não deveriam as políticas públicas de
saúde voltarem-se para a participação cidadã? E se é necessária a
participação cidadã para que a política atinja seu objetivo, por que não melhorar
essa participação a ponto de o cidadão decidir, definir, planejar e agir, junto
com o Estado, nas políticas e nos
serviços de saúde? Ao redor do mundo já existem alguns exemplos de iniciativas
que buscam promover maior envolvimento cidadão na promoção, prevenção e/ou
proteção da saúde. Vejamos algumas delas:
“Drink a little less, see a better you!” (“Beba um
pouco menos, veja-se melhor”, em tradução livre) – projeto dos condados de Cheshire and Merseyside na Inglaterra (com aproximadamente 1 milhão
de habitantes cada), voltado ao cuidado de homens alcoólatras ou com alto
consumo de álcool. A partir do momento em que foi identificado o problema, o
tema foi colocado como prioridade para a região, quando lançaram a campanha “Drink
a little less, see a better you!”, na qual profissionais de saúde foram aos
pubs (lugar característico para consumo de bebidas alcoólicas no país) medir
pressão, níveis de colesterol, peso e altura; acontecia um momento (das 22h às
23h), de segundas às quintas, quando os clientes eram encorajados a beber
drinques e outras bebidas não-alcoólicas; foi colocado o slogan em espelhos,
canecas, porta-corpos e cartazes dentro dos pubs. A campanha baseava-se em
diminuir o consumo excessivo de álcool e incentivar os homens a cuidarem de sua
saúde. Para que as ações pudessem ocorrer, envolver os responsáveis pelo pubs
era essencial, porém foram necessárias algumas reuniões e esclarecimentos, momentos
em que a equipe citou que o objetivo do programa não era afastar os clientes
dos pubs, já que eles também tem importante papel social.
Esther approach to healthcare in Sweden (“Acesso de Esther ao cuidado com
a Saúde na Suécia”, em tradução livre) – projeto da cidade de Jönköping no sul da Suécia (de aproximadamente 300 mil habitantes),
voltado para o cuidado com os tratamentos de saúde de idosos (que eram
aproximadamente 75% da população). O projeto teve início com o caso de uma
idosa que necessitou repetir seus sintomas para 36 profissionais de saúde do
município antes de receber atendimento. A partir do caso, iniciou-se um projeto
de reestruturação do atendimento na assistência à saúde em todos os níveis
(cuidado em casa, em pequenas clínicas de bairro e em hospitais). A participação
cidadã ocorreu no design dos novos serviços, já que a nova estrutura foi
remodelada de acordo com uma pesquisa realizada com os moradores locais, que
puderam expressar suas preferências (tratar-se perto de casa sempre que
possível, permanecer em hospitais o mínimo de tempo possível, dentre outras).
Dentre os resultados, ocorreu diminuição na espera por consultas com
neurologistas e gastroenterologistas, redução do número de dias de internação
no hospital e até mesmo do número de admissões.
The Food Train (“O trem da comida”, em tradução livre) - projeto da
cidade de Dumfries, na Escócia (com aproximadamente 45 mil habitantes). Iniciou
em 1995, da necessidade de levar alimentos de alto valor nutricional para uma
população idosa que não tinha condições de comprá-los por barreiras físicas
(não poder carregar as sacolas, não poder dirigir). O trem é dirigido por cidadãos também idosos. Além de
levar os alimentos para o alcance dos idosos, os voluntários ainda ajudam os
que necessitam com a lista de compras, formas de pagamento, no momento de
desembalar e em casos que é necessária a devolução do produto. Os supermercados
contribuem para o projeto fazendo com que seus funcionários selecionem os
produtos da lista de compras para entrega, junto com outros voluntários do
projeto.
"Well London" (“Londres Bem”, em tradução
livre) - projeto de Londres, na Inglaterra (aproximadamente 8 milhões de
habitantes). Iniciou em 2007, ao serem evidenciados dados de menor expectativa
de vida, baixo nível de bem-estar mental e outros indicadores de qualidade de
vida em desvantagem para bairros mais pobres economicamente. O projeto
selecionou 20 bairros londrinos, foi realizada consulta com cada comunidade
para identificar suas principais necessidades e prioridades. A pesquisa identificou
sérios problemas com manutenção de alimentação saudável, barreiras para prática
de atividade física e problemas com bem-estar mental. O projeto dividiu-se em
aumentar a participação comunitária e criar "espaços de saúde" para
trabalhar com os principais problemas apontados. Ao todo, 14 projetos foram
desenvolvidos nas comunidades.
Além desses, vários outros projetos de sucesso
envolvendo saúde e participação cidadã são desenvolvidos no mundo todos os
dias. É necessário que se aprenda com essas experiências, para que possam
ser aplicadas políticas de incentivo à participação cidadã na melhora da saúde
e qualidade de vida de uma população, de acordo com as necessidades de
cada comunidade.
Para saber mais:
The Challenge
of Co-production, disponível em: http://www.camdencen.org.uk/Resources/Public%20services/The_Challenge_of_Co-production.pdf
Beyond
Engagement and Participation: User and Community Coproduction of Public
Services, disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1540-6210.2007.00773.x/abstract;jsessionid=1F475B66D93E1F06E357245B1E7031E7.f04t04?deniedAccessCustomisedMessage=&userIsAuthenticated=false
Organização
Mundial da Saúde, disponível em: http://www.who.int/eportuguese/pt/
Governance International, disponível em: http://www.govint.org/
Drink a little less, see a better you!, disponível em: http://www.govint.org/good-practice/case-studies/drink-a-little-less-see-a-better-you/
Esther approach to healthcare in Sweden, disponível em: http://www.govint.org/good-practice/case-studies/the-esther-approach-to-healthcare-in-sweden-a-business-case-for-radical-improvement/
The Food Train,
disponível em: http://www.govint.org/good-practice/case-studies/the-food-train-supporting-older-people-to-eat-healthily-at-home/
Well London,
disponível em: http://www.govint.org/good-practice/case-studies/well-london-communities-working-together-for-a-healthier-city/
*Luiza Moritz Age é nutricionista, graduada na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduada em Nutrição Clínica
Funcional (UniCSul), é Fiscal de Vigilância em Saúde na Prefeitura de
Florianópolis há 6 anos e cursa a disciplina Coprodução do Bem Público do curso
de Mestrado em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),
na qual desenvolveu este texto.
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