* Por Jeferson Dahmer
O histórico 17 de Junho de 2013
mostrou ao Brasil e aos seus representantes políticos que a pátria não estava
adormecida. Outras manifestações aconteceram em anos recentes com pautas
distintas, sem muitas vezes o impacto significativo que aconteceu ontem. Muitas
lutas dos movimentos contra a corrupção, a má qualidade dos serviços públicos,
a ineficiência na aplicação dos recursos, contra os preconceitos de raça,
gênero e opção sexual. Enfim, pautas manifestadas de forma isolada nos últimos
anos, ontem gigantemente se encontraram nas diversas capitais brasileiras e
extrapolaram as fronteiras do nosso país, clamando por mudança.
Para os governantes é fácil dizer
que “estão perplexos”, que “não compreendem” a pauta política do movimento. Se
não são capazes de compreender é porque a muito se “esqueceram” (e aí
interprete como quiser) de olhar para a sociedade, de enxergar às reais dificuldades
com que cada cidadão brasileiro constrói esse país cotidianamente. Da empregada
doméstica que pega um ônibus lotado todos os dias para fazer o sustento de sua
família até nossos empresários que sofrem com alta carga tributária do país,
passando por tantas outras realidades é que agora essas pautas se encontram, se
transversalizam e nos querem mostrar a falência do nosso modelo de democracia
representativa.
Vamos, portanto, acabar com o
Estado? Com os mecanismos de participação que já existem? Com tudo que já se
construiu e começar algo novo? NÃO. A falência do modelo nos mostra que devemos
refletir e repensar as suas bases, a questão não é acabar com ele. Na noite de
ontem, os manifestantes não invadiram o Congresso Nacional, apenas ocuparam um
espaço que sempre foi e sempre será seu. Estar insatisfeito com a atual situação
econômica do país, com a falta de transparência, contra os abusos de diversas
comissões, contra os escândalos de corrupção, contra a falta de condições
dignas de saúde e EDUCAÇÃO, contra os exorbitantes gastos com a Copa do Mundo e
as Olimpíadas e, principalmente, com relação à falta de perspectivas quanto a
um futuro promissor por parte dos jovens que acreditam na força da democracia e
da cidadania é que levaram milhares a resgatar o Congresso e simbolicamente nas
ruas do país dizer aos nossos Governantes e ao Povo Brasileiro que a hora da
mudança chegou, que a pauta pode até ser difusa, mas sua contribuição maior é
colocar o Brasil no rumo certo.
A “bola da vez” era vendida aqui
e vista lá fora. Ontem se deu uma resposta contundente da “maior arquibancada
do Brasil” da situação como ela realmente é. Colocou-se para fora a
insatisfação com questões econômicas, sociais, estruturais, o descrédito em
relação ao futuro, mas acima de tudo a vontade de todo brasileiro de ser
vencedor, de por amor a sua pátria dizer que um novo Brasil é possível, com
cidadãos dizendo o que querem e o que deve ser feito, e o que os cidadãos
querem não é apenas manifestar sua opção a cada quatro anos, é também ser
responsável e controlador social da riqueza nacional, que tem escoado tão
facilmente pelo ralo da corrupção e da ineficiência do gasto e na entrega dos
serviços. Talvez esse seja o primeiro passo, mas é o passo mais importante que
foi dado depois da democratização e da queda de Collor. A empolgação é imensa e
espera-se que a partir de agora as questões políticas do país estejam SEMPRE
sob a supervisão de um cidadão vigilante quanto ao seu futuro.
Como estudioso da Administração
Pública, muito tenho a apreender com tais lições. Não concordo com algumas
posturas, como a depredação do patrimônio público, mas já está claro que isso é
fruto de uma minoria. Embora pense que sempre é uma contradição, afinal, quando
é Carnaval, urinar em estátua, pular em praças históricas, etc., parece não ser
depredação, pois em Carnaval tudo é permitido. E como a mídia adora mostrar
isso! O pacifismo das caminhadas de ontem é muito mais simbólico e contagiante
para as pessoas do que o sensacionalismo que está sendo mostrado. Entretanto já
melhoraram as abordagens no decorrer da semana (Muito bom, ver Arnaldo Jabor se
desculpando)!
Não concordo com passe livre,
pois de alguma rubrica esse dinheiro vai sair! Talvez do investimento em saúde
e educação, acho isso inviável. O caminho é abrir as caixas-pretas do
transporte e não colocar o lucro dos empresários acima do acesso a um transporte
público de qualidade. É a velha história, o interesse privado sobrepondo-se ao
interesse público.
Outra coisa que me impressionou
bastante foi a capilaridade da articulação dos movimentos, as mídias sociais estão
aí e se alguém tinha alguma dúvida sobre seu potencial mobilizatório e de um
espaço livre de manipulação, a organização deste movimento nos trouxe algumas
lições. Ali todas as opiniões podem ser vistas e você tem então a possibilidade
de compreender melhor as coisas, o caso está aí para ser analisado. Ontem,
passei a noite em claro acompanhando os vídeos, as mensagens, os apoios que
pipocavam por todo o país, compartilhadas instantaneamente, possibilitando uma
injeção de ânimo, de euforia que nos fazia participar pelo curtir e
compartilhar (não o ato em si, mas o simbolismo e contribuição que isso
representava naquele momento), mesmo não estando nas ruas.
Temos agora a possibilidade de
transformar, a hora é agora. Da “maior arquibancada do Brasil” para as
instituições públicas, para as organizações não governamentais, para as
empresas, com ética, responsabilidade e respeito construir projetos políticos
que contribuam para essa transformação. Mudar a lógica da política pública, dos
gabinetes governamentais para a formação de agendas com as cidades e com a
participação popular. Vamos utilizar e melhorar os canais já existentes. Vamos
aderir aos movimentos que pedem por melhorias, que lutam contra abusos, contra
irresponsabilidades, que querem um Brasil melhor. Somente assim seremos “a bola
da vez” e poderemos comemorar com nossos atletas em campo em 2014 e 2016.
Postando aqui o que comentei há pouco no Facebook, em diálogo com Jorge Braun: lembrando que os avanços em accountability dependem de uma relação entre cultura política e instituições. A cultura política está em transformação, as instituições também. O desafio de dar respostas ao clamor das ruas se direciona aos políticos, aos governantes, às instituições, aos administradores públicos (!), a cada cidadão, cotidianamente, na sua casa, no seu bairro, no seu trabalho, adotando uma postura política ativa e coproduzindo a qualidade dos serviços públicos que deseja.
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