Opinião
Por Luiz Filipe Goldfeder Reinecke, Mariah Terezinha Nascimento Pereira, Tarsilla Noemi Bertoli Alexandrino e Thiago Magalhães*
A administração pública passa por um momento na qual é reivindicada por
transformações econômicas, sociais e políticas. Movimentos sociais, protestos e
manifestações pelos diversos meios e formas nas comunidades mundo a fora, como
a Primavera Árabe, os movimentos occupy, nos Estados Unidos e na Europa e as manifestações de julho de 2013, de
2015 e 2016 no Brasil, as quais no contexto nacional contribuíram para o impeachment da presidente Dilma
Rousseff, são reflexo dessas reivindicações.
Manoel Castells, sociólogo espanhol, afirma que tais movimentos retratam esse sentimento de indignação e esperança, relacionados também ao anseio por maior participação e exercício da cidadania. São mudanças, relacionadas aos indivíduos e seus interesses predominantes, que refletem na sociedade contemporânea e no setor público como também defende o economista Albert Otto Hirschman em seu famoso livro "As paixões e os interesses: argumentos políticos a favor do capitalismo."
A Administração Pública, de provedora absoluta de serviços públicos
oferecidos pelo aparato burocrático do Estado ao compartilhamento de
responsabilidades com o mercado para melhorar o equilíbrio fiscal, instiga
transformações e também é instigada a se transformar. No contexto atual, as
mudanças desejadas envolvem as demandas comunitárias que vão além de problemas
e soluções comuns relacionadas à burocracia e ao mercado. Nesse aspecto, essas
demandas correspondem a uma forma de pobreza, como aquela descrita pelo
sociólogo Pedro Demo, relacionada à política, podendo ser entendidas como a penúria
de modelos de administração pública que correspondam a modos de gestão mais
participativos, como o da gestão social, atendendo ao que o sociólogo Alberto
Guerreiro Ramos delineia como a multidimensionalidade humana. Leia mais aqui.
Na Grécia Antiga, a
cidade era denominada “pólis” e havia uma concepção ideal de que os cidadãos
eram responsáveis pelo governo. Suas ações consistiam na tomada de decisão em
espaços públicos, também chamados “ágoras” - que efetivavam a participação
política dos sujeitos na vida da cidade. Na concepção de Aristóteles, famoso
filósofo grego em sua obra “A Política”, a cidade deveria dar condições mínimas
para o desenvolvimento da cidadania por seus cidadãos.
O termo “cidadão”, é
oriundo do sujeito que habita a cidade e que, consequentemente, faz uso de bens
e serviços assegurados pelo Estado. Moacir Gadotti, professor da Universidade
de São Paulo que estuda relações entre educação, poder, sociedade, entre outros
temas, define cidadão como sendo o indivíduo que usufrui dos direitos da
cidade. Por outro lado, Robert Denhardt, estudioso das Teorias de Administração
Pública, trazendo dos gregos o papel do cidadão, coloca também em discussão o
resgate do papel ativo do cidadão, ou como ele descreve: cidadania ativa. Nesta
visão, o cidadão também é corresponsável pelas atividades da cidade, onde o
serviço público nada mais é do que uma extensão da cidadania.
Diante do contexto apresentado, constata-se que
vivemos atualmente
a ebulição dos movimentos sociais e da organização da
sociedade civil no sentido de questionar o Poder Público. Assim sendo,
surgem questionamentos sobre a posição que o Administrador Público deve ter
frente a estas mudanças. E da mesma maneira, que posicionamento, nós, Cidadãos,
devemos adotar neste sentido?
Além disso, como é possível aproveitar estas
mudanças no cenário nacional para promoção de mudanças na Administração
Pública? Quais são as experiências que possibilitam estas mudanças e quais
precisam ser superadas?
Em busca de
respostas…
As expectativas
criadas pela população estão sendo transformadas em ações no mundo concreto e
no mundo virtual, muitos deles em forma de manifestos em que os cidadãos
encontram novas formas de se organizar, fazendo uso de habilidades e competências
individuais em prol do interesse coletivo. Das mobilizações de junho de 2013
onde haviam movimentos mais difusos e diversas bandeiras, o que vemos é talvez
um processo de amadurecimento da própria sociedade civil que cria formas mais
organizadas de protestos, ações mais coordenadas como também bandeiras mais
específicas.
Atualmente, isto vem ficando evidente
nos grupos que se constituíram, por exemplo, nas escolas paulistas e cariocas
brasileiras, em que o corpo discente está promovendo atividades de ocupação das
instituições, buscando dialogar com o Poder Público em parceria com o corpo docente e a comunidade escolar, Estão fazendo uso de diversos
instrumentos para divulgar suas demandas e necessidades, sobretudo as redes
sociais que têm servido como suporte efetivo para comunicação com a sociedade.
Da mesma forma, movimentos como o Movimento Brasil Livre (MBL) desenvolve e
organiza protestos e pressiona autoridades políticas em prol de bandeiras e
agendas mais neoliberais no país, construindo agendas neste sentido.
Ao mesmo tempo em que
passamos por um momento de muitas dúvidas de como agora alimentado pelo cenário
nebuloso do futuro, a incerteza é algo inerente à esfera pública. O que a
sociedade vem passando não é uma tempestade ou uma trovoada, como muitos viam
as mobilizações de 2013, mas sim terremotos que fazem chacoalhar as estruturas
sociais, como foi salientado pela urbanista e professora da Universidade de São
Paulo a professora Raquel Rolnik em seu estudo sobre a participação cidadã e o
futuro das cidades.
Fica cada vez mais
claro que estamos vivenciando um momento de ruptura do velho paradigma proposto
por Harman e Horman, em que micro revoluções estão expressas pelo valor
cobrado no transporte público ou na qualidade da alimentação escolar, e também
num processo bottom-up (de baixo para cima) com a construção de novas
agendas públicas por cidadãos que antes era considerados meros receptores de
serviços públicos e hoje estão buscando se colocar no papel de atores ativos na
construção da cidade.
Neste mesmo sentido,
temos também um desafio de redefinir o papel da Administração Pública e de como
ela aproveitará esta energia toda que está sendo gerada por estas ondas de
movimentos que estão ocorrendo por todo o país. Estamos num momento em que a
crise política - expressa no processo de impeachment- e a crise econômica que
assombra todo o mercado faz emergir a necessidade de uma repactuação também com
a sociedade civil organizada e “desorganizada” que clama por mudanças. A
população traz propostas - por meio de suas agendas - que podem ser
incorporadas na agenda pública, bem como implementadas por meio da coprodução
dos serviços públicos, conforme proposto pelo professor José Francisco Salm da
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, em seus estudos sobre a
coprodução do bem público.
Assim sendo, buscamos respostas,
quando, na verdade, temos sob nossos olhos diversas alternativas de iniciativa
popular que transformam o sentimento de abandono pela administração pública em
movimentos da sociedade civil. Estas medidas para discutir o bem público,
formular possibilidades, construir e realizar ações efetivas e “colocar a mão
na massa” são formas de cidadania com as quais precisamos dialogar, compreender
e participar.
* Texto elaborado no contexto da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Udesc Esag.
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