Texto de Florencia Guerzovich e Paula Chies Schommer, do Grupo de Pesquisa Politeia, sobre medidas anticorrupção, publicado no Blog Gestão, Política & Sociedade, do Estadão:
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No dia 29 de março de
2016, pilhas e pilhas de documentos, contendo mais de 2 milhões de assinaturas,
eram entregues no Congresso Nacional. Coletadas por meio da campanha “10
Medidas Contra a Corrupção”, as assinaturas mostravam o apoio de expressiva
parcela da população a um conjunto de propostas elaboradas por membros do
Ministério Público Federal, MPF, ora apresentadas aos parlamentares, para
aprimorar o combate à corrupção no Brasil.
No livro "A luta
contra a corrupção: a Lava Jato e o futuro de um país marcado pela impunidade”,
o procurador Deltan Dallagnol, personagem central do Ministério Público Federal
na Operação Lava Jato, narra seu percurso como procurador, até a campanha pelas
“10 Medidas”. Explica que o que lhe move é a indignação com a impunidade no
Brasil, vista de perto por ele e seus colegas em anos de
trabalho frustrado. São as bases de uma cultura em que os servidores públicos do
sistema de controle têm poucos incentivos para avançar contra a corrupção em
casos concretos, ou para tentar mudar incentivos e aprimorar ferramentas
anticorrupção.
Os resultados inicias da Lava Jato abriram
uma janela de oportunidade para mudar os incentivos nos sistemas de controle e
de justiça, e aprimorar as ferramentas contra a corrupção. Na origem da proposta do MPF, a lei e a qualificação técnica
aparecem como caminhos para combater a corrupção, e o foco de ação é o direito
penal.
Em seu livro,
Dallagnol narra a origem das propostas e se mostra cético em relação à política
e aos políticos. Aos poucos, no entanto, vai percebendo que as leis que tanto preza são fruto da política. Entende que combater a corrupção exige entrar na política, debater, envolver a sociedade. Além
disso, há que considerar que aqueles que perdem com as mudanças detém poder,
permeiam o Estado, a sociedade e os partidos políticos, e tendem a resistir e
buscar se adaptar para manter o que conquistaram. Para enfrentá-los, é preciso
um conjunto amplo de forças e estratégias articuladas.
É preciso, também,
uma visão mais ampla dos problemas e suas causas, o que exige debater,
submeter-se à crítica, ao contraditório, aprender com novas ideias e
repertórios, ampliar perspectivas, gerar coalizões e negociar. É preciso fazer
política anticorrupção sem fazer, e sem parecer que está fazendo, política
partidária. Em síntese, é necessário coproduzir as bases do sistema de controle
com outros atores do Estado e da sociedade.
A Campanha pelas 10
Medidas propiciou a aproximação entre servidores de órgãos de controle e diversos segmentos da sociedade. Os debates na Câmara dos Deputados, em
que as 10 medidas (que se tornaram 18) foram debatidas na Comissão de
Constituição e Justiça, CCJ, como Projeto de Lei, PL, 4.850/2016, mostrou que muitos
políticos têm interesse e capacidade de contribuir para que o país avance nesse
tema. O desfecho da discussão do PL na Câmara, em 2016, porém, poderia dar
razão ao preconceito inicial com os políticos, dado que foi votado um
substitutivo, em uma madrugada trágica para o país, que desfigurava a proposta
original e o que havia sido aprovado na CCJ.
Entretanto, o processo de aprendizagem dos atores
envolvidos fez com que percebessem que uma estratégia política é essencial para
combater a corrupção, que é preciso contar com mais aliados no Congresso para
que se possa avançar na legislação, e que o voto nas Eleições de 2018 será
crucial para “virar o jogo”). Na política, porém, o protagonismo cabe à sociedade e aos políticos, não
ao Ministério Público e ao Judiciário. Estes podem contribuir para fazer
política pública, sem fazer política partidária, em meio a uma discussão mais
ampla.
É o que propõem as Novas Medidas Contra
a Corrupção, um conjunto de propostas construído por cerca de 150 especialistas, em
processo provocado e facilitado pela Transparência Internacional (TI) no
Brasil, em parceria com a FGV Direito. As 84 propostas,
que passaram por uma fase de consulta pública, em Abril deste ano (via Wikilegis), tratam
de temas variados, enfatizando a participação cidadã e as melhorias na gestão
pública como bases para a prevenção da corrupção. Incluem medidas relativas à investigação
e punição, como nas 10 originais, mas são bem mais amplas. Alguns dos temas já estão em discussão no Congresso, como o Projeto de
Lei 6814/2017, sobre licitações. Outros se relacionam a mudanças
recém-aprovadas, como a controversa Lei 13 655/2018, vista por alguns atores
como uma reação do sistema para obstaculizar avanços na luta contra a
corrupção, nas esferas administrativa, controladora e judicial. O pacote final será divulgado em breve, com a
intenção de influenciar o debate eleitoral em 2018 e a agenda legislativa do
novo Congresso, a ser eleito. A intenção é que a sociedade, em sua diversidade,
assuma o papel principal na redefinição do equilíbrio de poder e incentivos na
luta contra a corrupção.
Nos próximos meses,
saberemos se essa coalizão mais ampla da sociedade, na qual se incluem membros de
órgãos de controle, será capaz de aproveitar a conjuntura e conquistar poder
para fazer frente aos que se opõem a mudanças. Os envolvidos talvez estejam
mais atentos às questões políticas, o que pode trazer vantagens, porém cria outra
dificuldade, a de fazer e parecer que estão fazendo política, sem envolver
diretamente questões partidárias, ainda que as afete.
Gerir os riscos de
fazer política anticorrupção, no curto e médio prazo, é algo crítico para que
se possa reconhecer todo esse processo de aprendizagem
como uma vitória mais duradoura e apropriada contra a corrupção. Mais do que perguntar “com
quantos paus se faz uma canoa?” ou “com quantas medidas se combate a
corrupção?”, cabe considerar quem participará do trabalho e como faremos para
construir juntos e continuamente as canoas que nos permitirão atravessar águas
turbulentas e alcançar novos patamares.